sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Conversando com o diabo

                                                                     Conto



Dia de sol, praia, feriadão... Muita coisa para fazer num dia como estes, ainda nem tinha amanhecido e os planos sobre o que fazer naquele dia ainda titubeava em minha cabeça.
Quem sabe só uma escapadinha até o bar, conversar com amigos, colocar o papo em dia, falar sobre politica, futebol, mulher, essas coisas de macho.
Mas, sei lá, não ando com vontade de falar com pessoas regadas a cerveja, com o cérebro anestesiado. Talvez eu pegue um sol pela manhã, leia aquele livro do Borges, que falta mais que a metade e nunca mais tive tempo de me deliciar com este maravilhoso escritor argentino.
Bem, resolvi caminhar pela calçada, ir até a padaria, comprar pão e leite e ver o movimento da manhã até que eu decidisse o que fazer.
Sentei no mural da praia e acendi um cigarro, a brisa do mar nesta hora é deliciosa, fria e aconchegante ao mesmo tempo.
Sentou próximo a mim um destes caras, que pareciam sair de um botequim da lapa dos anos 50, jeito de malandro, chapéu branco, terno de linho listrado, sapatos que brilhavam. Pensei comigo, nossa! Esse cara está perdido no tempo. De onde saiu tal diabo a esta hora da manhã?!
- Bom dia! Exclamou ele com um sorriso amarelo, um bigode fino e uma costeleta bem cuidada.
-Opa!  Retruquei. Bom dia, respondi.
-O dia promete! Feriadão, praia, sol e as vagabundas por aí, tá do jeito que o diabo gosta.
Balancei a cabeça concordando, não pensei em ser mal educado, com o vistoso moço.
-De onde você esta vindo, curioso perguntei.
-Ah! Eu sou o diabo, muito prazer, eu não venho de lugar algum, os lugares vem á mim.
-Que!! Será que o cara tá chapado ainda! Ah tá!  Concordei.
-Esta precisando de alguma coisa? Tipo alguma coisa que vai foder alguém que tá te sacaneando.
-Não, obrigado, tudo beleza.
Fazer pacto com o diabo até que vai, mas com um débil mental ás seis e meia da manhã de um feriado a beira do calçadão da praia é demais. Pensei.
Escuta, você é mesmo o diabo? Então cadê os chifres, o tridente e o cheiro de enxofre, perguntei.
-Esta imagem de mim, esta só na imaginação do inconsciente coletivo, sou bem mais sociável, não vê a minha roupa? Sim vejo, mas um pouco fora de moda, você não acha?
-Sim, mas sou um pouco saudosista, adoro me vestir como um cavalheiro da velha guarda. Pode me falar o nome, eu faço serviço de graça, não quero nenhum pacto hoje.
-Porque quer me ajudar? Mesmo se você fosse o diabo, não seria errado justamente, o diabo, ajudar alguém que você mal conhece? E depois não tenho inimigos.
Uma risada estridente soou do fundo daquela garganta.
-Todos vocês tem inimigos, declarou. Esta é uma regra aqui nesta merda de mundo, me dê o nome, rápido. Falou em um tom mais alto, como uma ordem.
-Meu amigo, Por favor, me deixe fumar este cigarro em paz e olhar as ondas do mar. Eu insisto em dizer: Não tenho inimigos.
- E o tal do Heriberto! Aquele de Cosmópolis?
- Me deu um frio na barriga, um medo de não sei de onde. Como você sabe, gaguejei.
-Eu já te disse: Eu sou o diabo, confie em mim, hoje é de graça, sem pacto, lembra.
Eu já esqueci, faz muito tempo isto, perdoei, respondi.
-O que! Você tá louco, como perdoa um filho duma puta daqueles! Eu vou te vingar, deixa comigo.
Amigo! Por favor, não sei de que hospício você saiu, nem como conheceu o Heriberto, mas é melhor eu ir andando, até outra hora, fica com deus.
Nisso sai de perto daquele cara estranho e segui de volta para casa. Tem cada figura aqui, do outro lado da vida! 
O Heriberto é um assassino! Martelava na minha cabeça, a todo instante. Senti uma pontinha de raiva, naquele momento. Tentei esquecer este sentimento tão idiota que é a raiva, afinal todas as coisas estão certas, não existe razão para nos revoltar com os acontecimentos que sempre nos levam para nosso objetivo, sentir raiva é sofrer, sofrer é discordar da vida, discordar da vida é inútil. Aprendi essa regra assim que cheguei aqui nesta ilha.
Mas quem era aquele cara!, seria o diabo mesmo?! Pensei varias vezes em olhar para trás, mas evitei, não quero relação com antigas emoções que tinha quando fui um ser humano de carne e osso.
A única coisa que não consigo deixar ainda é caminhar até a padaria comprar pão e leite e acender meu cigarro na beira da praia.



Marcos Tavares de Souza
Escreve sempre que não tem o que fazer

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